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Quinta-feira, 23 de junho de 2016
Crime de tráfico privilegiado de entorpecentes não tem natureza hedionda, decide STF
Na sessão desta quinta-feira (23), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o chamado tráfico privilegiado, no qual as penas podem ser reduzidas, conforme o artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), não deve ser considerado crime de natureza hedionda. A discussão ocorreu no julgamento do Habeas Corpus (HC) 118533, que foi deferido por maioria dos votos.
No tráfico privilegiado, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. No caso concreto, Ricardo Evangelista Vieira de Souza e Robinson Roberto Ortega foram condenados a 7 anos e 1 mês de reclusão pelo juízo da Comarca de Nova Andradina (MS). Por meio de recurso, o Ministério Público conseguiu ver reconhecida, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a natureza hedionda dos delitos. Contra essa decisão, a Defensoria Pública da União (DPU) impetrou em favor dos condenados o HC em julgamento pelo Supremo.
O processo começou a ser julgado pelo Plenário em 24 de junho do ano passado, quando a relatora, ministra Cármen Lúcia, votou no sentido de conceder o HC e afastar o caráter de hediondez dos delitos em questão. Para ela, o tráfico privilegiado não se harmoniza com a qualificação de hediondez do delito definido no caput e no parágrafo 1º do artigo 33 da Lei de Drogas. O julgamento foi suspenso em duas ocasiões por pedidos de vista formulados pelos ministros Gilmar Mendes – que seguiu a relatora – e Edson Fachin.
Na sessão de hoje, o ministro Edson Fachin apresentou voto-vista no sentido de acompanhar a relatora, reajustando posição por ele apresentada no início da apreciação do processo. Segundo ele, o legislador não desejou incluir o tráfico minorado no regime dos crimes equiparados a hediondos nem nas hipóteses mais severas de concessão de livramento condicional, caso contrário o teria feito de forma expressa e precisa.
“Nesse reexame que eu fiz, considero que a equiparação a crime hediondo não alcança o delito de tráfico na hipótese de incidência da causa de diminuição em exame”, disse o ministro Fachin, acrescentando que o tratamento equiparado à hediondo configuraria flagrante desproporcionalidade. Os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber também reajustaram seus votos para seguir a relatora.
Ao votar no mesmo sentido, o ministro Celso de Mello ressaltou que o tráfico privilegiado tem alcançado as mulheres de modo grave, e que a população carcerária feminina no Brasil está crescendo de modo alarmante. Segundo o ministro, grande parte dessas mulheres estão presas por delitos de drogas praticados principalmente nas regiões de fronteiras do país.
Dados estatísticos
O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, também votou no sentido de afastar os efeitos da hediondez na hipótese de tráfico privilegiado. Ele também observou que a grande maioria das mulheres está presa por delitos relacionados ao tráfico drogas, e quase todas sofreram sanções desproporcionais às ações praticadas, sobretudo considerada a participação de menor relevância delas nessa atividade ilícita. “Muitas participam como simples ‘correios’ ou ‘mulas’, ou seja, apenas transportam a droga para terceiros, ocupando-se, o mais das vezes, em mantê-la, num ambiente doméstico, em troca de alguma vantagem econômica”, ressaltou.
O voto do ministro Lewandowski apresenta dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen) do Ministério da Justiça que demonstram que, das 622.202 pessoas em situação de privação de liberdade (homens e mulheres), 28% (174.216 presos) estão presas por força de condenações decorrentes da aplicação da Lei de Drogas. “Esse porcentual, se analisado sob a perspectiva do recorte de gênero, revela uma realidade ainda mais brutal: 68% das mulheres em situação de privação de liberdade estão envolvidas com os tipos penais de tráfico de entorpecentes ou associação para o tráfico”, afirmou o ministro, ressaltando que hoje o Brasil tem a quinta maior população carcerária do mundo, levando em conta o número de mulheres presas.
De acordo com ele, estima-se que, entre a população de condenados por crimes de tráfico ou associação ao tráfico, aproximadamente 45% – algo em torno de 80 mil pessoas, em sua grande maioria mulheres – tenham recebido sentença com o reconhecimento explícito do privilégio. “São pessoas que não apresentam um perfil delinquencial típico, nem tampouco desempenham nas organizações criminosas um papel relevante”, afirmou.
Resultado do julgamento
O voto da relatora foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Ficaram vencidos os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Marco Aurélio, que reconheceram como hediondo o crime de tráfico privilegiado.
Crimes hediondos
Os crimes hediondos, previstos na Lei 8.072/1990, e os equiparados (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo) são inafiançáveis e insuscetíveis de anistia, graça ou indulto, e a progressão de regime só pode acontecer após o cumprimento de dois quintos da pena, se o réu for primário, e de três quintos, se for reincidente.
EC/CR
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